Piratas de todo o mundo, uni-vos!
por Hermano Vianna (Bizz - 01/1989)
Tudo bem. World music é rótulo inventado pelos marketeiros da indústria fonográfica, mas até aí morreu o Neves. Rótulos e mais rótulos são produzidos todos os dias. A maioria desaparece em questão de segundos. Um rótulo só vinga quando entra em sintonia com o espírito de sua época, satisfazendo os misteriosos desejos de um público sempre à cata de novidades.
World music é um fenômeno típico dos anos 80. Como rótulo é um tanto vago. Eu prefiro global pop. É mais claro e preciso, vai direto ao assunto. Porque aqui é o pop que interessa e não qualquer música tradicional criada num cafundó perdido do planeta. Em outras palavras: o "Terceiro Mundo" deixa de estar condenado a repetir eternamente uma fajuta macumba para turistas, classificada e "preservada" como autêntica. Os músicos da periferia - ou seja, fora da Europa e dos Estados Unidos - reivindicam seu direito à modernidade, à eletrônica, ao rock, ao funk, ao diabo a quatro. E não essas experimentações eletroétnicas que, sob a etiqueta de world music, conquistam seu espaço merecido num mercado internacional finalmente menos preconceituoso.
A mixagem cultural não é exatamente algo de novo. O pop primeiro-mundista sempre pirateou as tradições musicais de outros continentes. Albert Goldman, o autor da biografia excomungada do Santo John Lennon, escreveu em 68 um brilhante ensaio chamado A Emergência do Rock, que já continha a seguinte afirmação: "Hoje, o grande ideal cultural está encapsulado na diminuta palavra mix". Para fundamentar sua "profecia", Goldman citava tudo o que o rock pilhou: blues, hillbilly, raga indiana, ritmos africanos, madrigais, cantos gregorianos, música concreta etc. etc. etc. Prova? Você nunca ouviu Sergeant Pepper's?
A pilhagem continuou através dos tempos e continua: Malcolm MacLaren (até que enfim um pirata sem vergonha, que não precisa da máscara "bem-intencionada"), Talking Heads, John Zorn, Mark Kamins... O sampler e o scratch facilitam o roubo cultural, mas a concorrência aumenta. O "Terceiro Mundo" dá o troco. A banda Integrated Circuit criou o reggae filipino. Mahmoud Ahmed é o maior ídolo do jazz-rock etíope. Surachai Sumbatcharon revolucionou o luk tung, a disco music tailandesa. O grupo Pata Negra, do sul espanhol, juntou punk e flamenco. Os filhos dos imigrantes indianos fazem a mixagem bhangra/acidhouse. No Brasil... Bem, essa história você já conhece.
Se o ensaio de Albert Goldman fosse reescrito em 89, talvez, no lugar de mix, deveria ser empregada outra palavra minúscula: zap. Não tem nenhum segredo, zap é a era do controle remoto cultural. Com a maior facilidade, muda-se de "canal" em tudo: comida, música, roupa, estilo de vida. Você pode almoçar num fast-food turco, vestido com roupas japonesas, escutando pop indonésio. Você pode (aconteceu comigo, eu juro) estar viajando do Zaire para a Costa do Marfim num 767 da Air Ethiopia e encontrar, na poltrona ao lado, um jornal do Quênia anunciando concertos de bandas bhangra londrinas ainda desconhecidas pelo mais bem informado jornalista britânico.
Zapear é a maneira mais divertida de destruir as velhas hierarquias artísticas e possibilitar trocas culturais independentes da atuação dos grandes meios de comunicação de massa. Como os casos do hip hop no Rio e em Nova York, do reggae em São Luís e em Kingston, do zouk na Martinica e em toda a África. World music? O rótulo não é tão importante. Basta fazer uma constatação muito simples: já vivemos em um novo planeta.
Tudo bem. World music é rótulo inventado pelos marketeiros da indústria fonográfica, mas até aí morreu o Neves. Rótulos e mais rótulos são produzidos todos os dias. A maioria desaparece em questão de segundos. Um rótulo só vinga quando entra em sintonia com o espírito de sua época, satisfazendo os misteriosos desejos de um público sempre à cata de novidades.
World music é um fenômeno típico dos anos 80. Como rótulo é um tanto vago. Eu prefiro global pop. É mais claro e preciso, vai direto ao assunto. Porque aqui é o pop que interessa e não qualquer música tradicional criada num cafundó perdido do planeta. Em outras palavras: o "Terceiro Mundo" deixa de estar condenado a repetir eternamente uma fajuta macumba para turistas, classificada e "preservada" como autêntica. Os músicos da periferia - ou seja, fora da Europa e dos Estados Unidos - reivindicam seu direito à modernidade, à eletrônica, ao rock, ao funk, ao diabo a quatro. E não essas experimentações eletroétnicas que, sob a etiqueta de world music, conquistam seu espaço merecido num mercado internacional finalmente menos preconceituoso.
A mixagem cultural não é exatamente algo de novo. O pop primeiro-mundista sempre pirateou as tradições musicais de outros continentes. Albert Goldman, o autor da biografia excomungada do Santo John Lennon, escreveu em 68 um brilhante ensaio chamado A Emergência do Rock, que já continha a seguinte afirmação: "Hoje, o grande ideal cultural está encapsulado na diminuta palavra mix". Para fundamentar sua "profecia", Goldman citava tudo o que o rock pilhou: blues, hillbilly, raga indiana, ritmos africanos, madrigais, cantos gregorianos, música concreta etc. etc. etc. Prova? Você nunca ouviu Sergeant Pepper's?
A pilhagem continuou através dos tempos e continua: Malcolm MacLaren (até que enfim um pirata sem vergonha, que não precisa da máscara "bem-intencionada"), Talking Heads, John Zorn, Mark Kamins... O sampler e o scratch facilitam o roubo cultural, mas a concorrência aumenta. O "Terceiro Mundo" dá o troco. A banda Integrated Circuit criou o reggae filipino. Mahmoud Ahmed é o maior ídolo do jazz-rock etíope. Surachai Sumbatcharon revolucionou o luk tung, a disco music tailandesa. O grupo Pata Negra, do sul espanhol, juntou punk e flamenco. Os filhos dos imigrantes indianos fazem a mixagem bhangra/acidhouse. No Brasil... Bem, essa história você já conhece.
Se o ensaio de Albert Goldman fosse reescrito em 89, talvez, no lugar de mix, deveria ser empregada outra palavra minúscula: zap. Não tem nenhum segredo, zap é a era do controle remoto cultural. Com a maior facilidade, muda-se de "canal" em tudo: comida, música, roupa, estilo de vida. Você pode almoçar num fast-food turco, vestido com roupas japonesas, escutando pop indonésio. Você pode (aconteceu comigo, eu juro) estar viajando do Zaire para a Costa do Marfim num 767 da Air Ethiopia e encontrar, na poltrona ao lado, um jornal do Quênia anunciando concertos de bandas bhangra londrinas ainda desconhecidas pelo mais bem informado jornalista britânico.
Zapear é a maneira mais divertida de destruir as velhas hierarquias artísticas e possibilitar trocas culturais independentes da atuação dos grandes meios de comunicação de massa. Como os casos do hip hop no Rio e em Nova York, do reggae em São Luís e em Kingston, do zouk na Martinica e em toda a África. World music? O rótulo não é tão importante. Basta fazer uma constatação muito simples: já vivemos em um novo planeta.
Comentários
Fico aqui torcendo pelo sucesso de voces .
Grande abraço.
Leonor /Sorocaba, S.P.
Parabens !