Entrevista / Angélicque Kidjo: A diva do funk
Considerada a diva do funk africano, Angélicque Kidjo pretende
aliar os ritmos e espíritos do seu país à diversidade de outras culturas.
Gideon Rosa

Ela quer fazer uma ponte definitiva entre a cultura do Benin e da Bahia através da música. Nascida no Benin, na cidade Ouidah, de onde saiu grande parte, senão a maior parte, dos escravos para o Brasil, Angélicque Kidjo teve que deixar seu país perseguida pelos comunistas, mas conseguiu continuar sua carreira na França, de onde passou a ser conhecida e respeitada nos importantes mercados da Europa e dos Estados Unidos. Uma vitória relevante, pois isso não acontecia desde o sucesso de Miriam Makeba. Ela odeia rótulos e acha que esse é um comportamento típico dos colonizadores, que são incapazes de entender a diversidade.


P - Cantar sobre um trio elétrico provocou alguma mudança na senhora?

R - Estar sobre um trio elétrico é qualquer coisa de genial. Ter um trio elétrico na África faria um bem enorme à música e às pessoas, que teriam acesso a um espetáculo ao vivo.

P - O que a atrai na música brasileira?

R - Eu escuto a música brasileira desde cedo, ainda no Benin. Tenho muitas referências: Jobim é o primeiro, Chico Buarque e Roberto Carlos, que fazia enorme sucesso com Amada, Amante (canta um trecho da música)... depois, eu conheci Caetano, Gilberto Gil, Caetano, Daniela, que gravou uma de minhas canções. Tem gente como Marisa Monte, Bethânia, Virgínia Rodrigues, com quem cantei e voltarei a cantar, em Nova Iorque, no mês de abril.

P - Que traços a senhora identificou entre o Benin e a Bahia?

R - A Bahia e o Benin têm uma relação que se reporta ao tempo da escravatura. Então, já existe, no aspecto humano, uma mistura forte entre os beninianos e os brasileiros. Lá, existem várias famílias de origem brasileira, que têm uma música tradicional chamada bouniyan, muito parecida com o samba. Chegar à Bahia é reencontrar os mesmos odores, praticamente as mesmas árvores, a mesma comida, como acarajé, farofa, feijoada, quiabo, vatapá, bobó...Tudo isso eu como em minha casa. Vir à Bahia é reencontrar o Benin do outro lado do oceano.

P - É verdade que pessoas de sua família viveram no Brasil como escravos?

R - Sim. Tem uma parte da família de minha mãe que tem sangue brasileiro e outra parte tem sangue português, que é a parte do pai de minha mãe. Eles vieram ao Brasil e, depois, conseguiram voltar para a África, principalmente, com o final da escravatura.

P - A senhora já identificou traços da cultura original do Benin no Brasil?

R - O candomblé é diferente da cerimônia de vodu (religião ancestral do candomblé) no Benin. Eu jamais estive num terreiro aqui, mas eu vi uma cerimônia de Oxumaré; o canto e a melodia são parecidos, mas as palavras são diferentes. A outra diferença é que tudo no Benin é do lado de fora, aqui, os escravos foram obrigados a fazer uma cobertura para as cerimônias e isso permaneceu. O vodu é uma religião de unidade, e os colonizadores não queriam que nós permanecêssemos unidos. Apesar dos esforços dos missionários, o vodu é a religião mais forte no Benin.

P - A senhora está gravando com Daniela e Carlinhos Brown?

R - Eu já fiz uma canção com Daniela, para o disco Sol da Liberdade (Dara), na qual fazemos um duo. E escrevi canções com Carlinhos (cujos títulos provisórios são Tuonba, Yemandjá, Oba, Wékézoun, Egúngún).

P - Desde Miriam Makeba, a senhora foi a única que conseguiu fazer grande sucesso fora da África. Existe uma razão para isso?

R - Quando eu comecei a cantar, tive o apoio incondicional de meus pais, meu pai produziu meu primeiro espetáculo. E a pessoa que me deu coragem para abraçar o mundo foi Miriam Makeba, porque se ela pôde fazer, eu também poderia, afinal, ela veio de um país cuja história era terrível, ela veio do apartheid.

P - O que a senhora pensa do rótulo world music?

R - Esse rótulo foi inventado para que as pessoas sejam capazes de encontrar as músicas nas lojas. Na verdade, isso é um resíduo forte do colonialismo; eles gostariam de colocar o rótulo terceiro mundo, mas, talvez, isso fosse perigoso, então eles colocaram world music.

P - Como a senhora define sua música?

R - Eu escrevo música com meu marido (o compositor Jean Hebrail), falando de coisas que me tocam, da minha cultura, da minha identidade. Isso se vê imediatamente, percebe-se que não é uma brasileira que canta, que não é uma americana, uma francesa, mas uma africana. Isso me deixa orgulhosa. Meu trabalho é uma mistura da música do meu país que encontra uma outra cultura. Eu cresci escutando música do mundo inteiro, Rolling Stones, Beattles, James Brown, Jimi Hendrix.

P - Numa entrevista, a senhora disse que Oremi, seu último disco, era a primeira parte de uma trilogia, que incluía Brasil, Haiti e Cuba. A senhora já está começando a trabalhar na segunda parte?

R - Esse trabalho começou em outubro, quando eu escrevi canções com Carlinhos Brown, e teve continuidade na última segunda-feira. O próximo disco terá a colaboração de Carlinhos Brown. Eu comecei as primeiras gravações aqui, porque, pra mim, é indispensável ter a percussão daqui.

(A Tarde, 16/03/2000)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Especial Afrobeat com Letieres

#25jan